Em meio a grandes polêmicas
foi aprovado, em junho de 2014, o PNE, Plano Nacional da Educação. O PNE
articula-se a partir de vinte metas a serem alcançadas em dez anos.
Uma das polêmicas que
nortearam a elaboração e aprovação deste Plano se refere ao Inciso
III do Artigo 2º. Para ser aprovado foram suprimidos os termos gênero e
orientação sexual que inicialmente constavam do mesmo. O texto original previa
ações para superar problemas educacionais decorrentes da desigualdade de gênero
e de orientação sexual. Não é preciso ser nenhum “expert” em educação para
constatar que muitos casos de discriminação e evasão escolar estão diretamente
ligados a fatores relacionados com a identidade de gênero e orientação sexual
de alunas e alunos em todos os níveis de ensino. Portanto, a supressão
materializa todo um programa educacional pautado na discriminação, no
fundamentalismo religioso e na negação de direitos a milhares de pessoas.
A partir da aprovação do PNE,
os Estados e Municípios passam a elaborar seus planos estaduais e municipais.
Muitas Câmaras Municipais votaram seus Planos Municipais de Educação. Para sua
elaboração foi necessária a adequação dos mesmos ao PNE. O prazo para essas
elaborações e votações esgotou-se no final do mês de junho.
O que se viu nas votações
municipais foi a reiteração da polêmica em torno dos termos gênero e orientação
sexual. Em sua ampla maioria, os municípios também suprimiram de seus planos
esses conceitos. A consequência é, sem dúvida, o brutal retrocesso pedagógico,
além do enorme prejuízo para educação de crianças e jovens.
A supressão desses termos
não pode ser encarada como mera casualidade ou resultado de pressão popular.
Foi, na verdade, uma política pensada e defendida por setores fundamentalistas,
conservadores, organizados em partidos, muitos deles pertencentes a chamada
“base aliada” do governo federal.
São exemplos do retrocesso
em relação a políticas de igualdade de gênero e respeito a diversidade sexual os
Planos Municipais de cidades como São Paulo, Maringá, Recife, Jundiaí, Nova
Andradina, Maceió, São João Del Rei, Contagem, Campinas e Guarulhos. Nestas, e
em outras cidades, vereadores ligados a partidos conservadores mobilizaram
setores reacionários e fundamentalistas ligados a Igreja Católica e
protestantes para garantir o retrocesso nos planos municipais.
Em Guarulhos, a principal
polêmica se deu em torno da distribuição de cartilhas em quadrinhos que
defendem a igualdade de gênero entre meninas e meninos no espaço escolar. Na
verdade, o que as cartilhas propõem é que meninas tenham o direito de cumprir
os mesmos papéis sociais que os meninos.
Ao observarmos os argumentos
apresentados pelos vereadores para barrar toda e qualquer referência a gênero e
orientação sexual, percebemos, de forma muito evidente, que seus
posicionamentos reafirmam o senso comum e, por que não, a ignorância. Dizem,
por exemplo, que não se deve discutir sexualidade na escola, pois essa
discussão dará a criança o “direito de escolher” se quer ser menino ou menina.
Afirmam ainda que sexualidade deve ser discutida apenas por pais e mães de
crianças e adolescentes.
Argumentos desse tipo
revelam a total distorção do que de fato é gênero e orientação sexual. Tratam
ambos como se fossem simples escolhas. Também mostram a falsidade ideológica
sobre um fato primordial que envolve a questão; gênero e orientação sexual não
podem ser ensinadas. Tratam-se de experiências pessoais diante da vida e da
sociedade. Ou seja, são percepções que as pessoas tem acerca de si mesmas e do
mundo que as rodeia, portanto, não se ensina gênero ou orientação sexual. Isso
não se ensina, no entanto, a superação das diferenças de gênero, o respeito
para com as identidades de gênero e orientações sexuais são sim ensinados. Esse
tipo de ensinamento é de responsabilidade do Estado e da família. A omissão,
portanto, é um grave erro, além de um retrocesso enorme para o avanço da
consciência e para construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Na verdade, os vereadores, e
demais parlamentares, não são de fato ignorantes. Eles compreendem muito bem
essa questão. Por trás dessa ignorância aparente está presente um programa e
articulação política para retirada de direitos e implementação de projetos
políticos que visam barrar qualquer avanço social e emancipatório para o
conjunto da classe trabalhadora. Essa política não é aplicada apenas nas
Câmaras Municipais, mas se fazem presente na Câmara dos Deputados em Brasília,
nas Assembleias Legislativas e mesmo nos Ministérios Públicos.
Este posicionamento politico
é defendido por representantes de muitos partidos, desde o PSDB ao PT.
Recentemente, por exemplo, uma vereadora do PT de Guarulhos, Dona Maria,
apresentou para votação projeto de lei proibindo a Parada do Orgulho LGBT na cidade.
Como se nota, o conservadorismo e o fundamentalismo estendem seus “tentáculos”
em várias direções.
Mas é preciso reconhecer que
eles tem razão quando dizem que este debate é um grande perigo para a
sociedade. Sim, isto mesmo, estar presente no espaço escolar esta discussão é
um enorme perigo!!! Se aprovadas e incluídas nos Planos Educacionais, tais
questões poderão levar crianças e adolescentes a aprenderem, desde cedo, a se
respeitarem. Possibilitará que crianças e adolescentes entendam que meninas não
tem a obrigatoriedade “natural” de realizarem atividades domésticas, nem tem a
total responsabilidade sobre o cuidado de crianças. Compreenderão que homens
não podem ser violentos no trato com as mulheres. Perceberão ainda que pessoas
do mesmo sexo tem o direito de se relacionarem livremente e que não podem ser
discriminadas por isso. Enfim, tomarão consciência de que preconceitos
decorrentes das identidades de gênero e de orientação sexual representam um
entrave para a emancipação do conjunto da classe trabalhadora. Ou seja,
descobrirão, enfim, que toda e qualquer forma de opressão machista, racista e
Homo/Transfóbica nos divide enquanto classe, fortalecendo quem nos oprime e
explora de conjunto. E esse “risco” não podem correr. Esse é o verdadeiro debate!
Portanto, retirar do PNE,
e dos Planos Municipais da Educação, a questão de gênero e orientação sexual é
preservar, e mesmo fortalecer, a violência presente no cotidiano escolar.
Por derradeiro, é preciso
apontar que o conservadorismo e o fundamentalismo se fazem presentes não
somente no parlamento, mas também no judiciário, nas forças armadas, em todos
os seus níveis, incluindo a PM, a Polícia Civil e mesmo as Guardas Municipais.
Ou seja, atuam em todas as instituições que compõem o Estado Burguês. O próprio
Regime Democrático Burguês também se mantém erguido sobre os pilares da
opressão.
Neste sentido, defender que
por dentro dessas instituições seja possível promover alterações no que diz
respeito a discriminação contra mulheres, negros, negras e LGBTs é uma enorme ilusão.
Ilusão esta que precisa ser combatida e eliminada do meio da nossa classe. A
própria História nos mostra que por mais bem intencionada que seja uma pessoa,
ao entrar nesse emaranhado institucional putrefato que é o Estado Burguês, esta
pessoa terá apenas dois caminhos a seguir: tornanar-se também ela um burocrata,
ou ser completamente aniquilada por estas mesmas instituições. Não há saída
possível por dentro do Sistema. Portanto, propor a criação de conselhos,
secretarias ou algo do tipo nas instituições municipais, estaduais ou federais
é fadar-se a cooptação/burocratização ou a aniquilação. A saída para todas as
mazelas da classe trabalhadora está no interior da própria classe trabalhadora.
Depende exclusivamente de suas próprias forças. O parlamento, em todos os seus
níveis, não pertence a nossa classe. São espaços exclusivos daqueles e daquelas
que defendem o Estado Burguês, portanto, opressor e explorador. Desta forma, é
preciso sim nos organizar, mas por dentro de nossos próprios fóruns e
colegiados e isso inclui os partidos, não qualquer partido, mas os
independentes e exclusivos da classe, os sindicatos e movimentos sociais,
também estes independentes de governos e patrões.
A luta para que o PNE
e os Planos Municipais de Educação retomem esta discussão e incluam a questão
de gênero e orientação sexual seguira. Cada uma e cada um é parte importante
nessa luta. Organize-se e venha lutar por um mundo sem opressão nem exploração.